08 março 2017

Madagascar no N/M "Pátria"


Numa destas ultimas tardes invernosas de domingo estava eu com o meu filhote ao colo a ver na Tv um filme animado chamado "Madagascar". Para os que não sabem do que se trata, a imagem acima logo identifica o assunto mas, ao fim e ao cabo, é sobre as gozadas aventuras daqueles quatro animaizinhos com predominância para a simpática zebra.
Acontece que, enquanto olhava as divertidas imagens saltou-me à memória uma "aventura" também com zebras e acontecida durante a nossa estadia/regresso de Moçambique.

Em Nov.69 estávamos nós em Tenente Valadim e era hábito do Batalhão contratar caçadores nativos da aldeia a quem compravam os animais que abatiam, aliás, de boa qualidade de carne, para matar a fome ao pessoal. Lamentávelmente essa qualidade era desperdiçada pelos "Chefs" aquando da sua confecção. Mas o que importava, acima de tudo, era o estômago aconchegado! (Prometo ainda um dia aqui contar algo semelhante sobre a melhor maneira de tratar a arte da culinária pelos nossos "profissionais" em Lione).

Um dia os ditos caçadores vieram fornecer ao Batalhão um boi-cavalo (como lhe chamavam) e duas zebras. Logo ali, no átrio em frente à cozinha, as desmancharam sem desperdício das peles.
Abeirei-me deles para as comprar ao que acederam de bom grado, pois não era hábito ninguém se interessar por peles mas sim por carne.
Pedi-lhes para as limparem e secarem o melhor possível, pois tinham como missão seguirem viagem quando chegasse a hora. Assim o fizeram e, após algum tempo entregaram-mas, no seu entender, em bom estado de conservação, já enroladas e atadas para a prometida viagem transatlântica que se avizinhava.


(Uma das "zebras" durante a secagem na aldeia em Tenente Valadim. Fazia parte do sonho de quase todos nós que era "sonhar" com a decoração a dois, após o regresso,  da futura casa dos sonhos).





(Aqui as "zebras" já enroladas e atadas com o Cabrita sentado em cima e o falecido Fuzeta logo atrás. Ao lado, protegido pela G3 (a FBP já era!) a minha pessoa, com aspecto cansado. Que me perdoe o soldado de Cavalaria mais atrás por já não lembrar o seu nome. E, ao fundo à direita, na pose habitual de mãos à cintura, o falecido Conde (amanuense) junto do chefe do Moreira do GRC-9, o Sr. Afonso, limpando as unhas!
Foi em Fev.70 na estação de Nova Guarda, enquanto esperávamos o comboio para Nampula. O destino seria o "resort" de António Enes).

Entretanto, estabeleceu-se uma confusão por causa da data do regresso, um dia era o Niassa noutro dia logo se vê. O atrazo, quanto a mim, tinha a ver com a falta de barcos uma vez que aquele que estava destinado a levar-nos de volta teve uma avaria, e daí a oferta de última hora do "resort" por mais alguns  poucos meses.

Enquanto isso, as "zebras" enroladas continuavam expostas também ao sol de Angoche (A.Enes) e, nessa altura, detectei um odor algo desagradável que exalavam, mas logo virei costas ao problema. A vida bem gozada na cidade não deixava tempo para preocupações.

Por fim chegou o tão ansiado dia do regresso e logo dei prioridade ao dito rolo. Dentro do "Patria" as instalações que me calharam em sorte foi na parte mais funda do porão, quase dentro do duplo-fundo. Como quase todos conhecemos, era um enorme espaço com beliches de madeira virados para todos os lados.
Acondicionei a "carga" o melhor possível debaixo dum beliche e fiz-me ao mar, tentando distrair-me, vez em quando, com uma "lerpa" jogada em cima de caixotes de boa madeira (digo eu, agora, se calhar "sucupira" ou outra), compridos e rectangulares, que a malta ia buscar num canto onde estavam amontoados e que também serviam para nos sentarmos.
Mais tarde, já após a chegada, constou-me que dentro desses caixotes vinham as urnas com os corpos daqueles que tinham falecido durante a missão.
Se sim ou não, ainda hoje não tenho certeza, mas que até faz muito sentido, lá isso faz!

Ao dobrarmos o Cabo das Tormentas, saindo do Indico para entrar no Atlântico, com Capetown à vista, lembro-me que o barco foi bastante fustigado com o mau tempo obrigando-o a adornar a EB e BB, forte e feio.
E, foi isso, que logo pôs a malta quase toda a "gritar pelo gregório". Quem habitava nos fundos, nem tempo tinha para chegar ao varandim do 1º convés, logo ali despejava tudo o que tinha e o que não tinha!

Entretanto, a viagem seguia já com uns poucos de dias e o cheiro das "zebras" enroladas debaixo do beliche tornou-se muito desagradável e, fosse ou não, porque os estômagos e narizes da malta ficou mais sensível por causa dos enjôos sofridos, o que sei é que os meus "vizinhos" (já não sei quem eram) fizeram-me um ultimato:  Tens de tirar esta merda daqui, pois isto deita um fedor que tresanda.
Ainda resisti durante algum tempo, explicando-lhes o inexplicável, enquanto pensava na melhor forma de resolver o assunto.
Se, por acaso, já estivéssemos com o Forte de S.Julião da Barra à vista, acho que ainda aguentava mas, assim, com o horizonte alfacinha ainda tão longínquo, não me ocorria nenhuma solução a contento.
Mas, acontece, que nem me deram tempo para os acalmar, logo arrastaram o rolo debaixo do beliche e o cheiro, acreditem ainda me lembro, era mesmo insuportável.
Acho que com a ajuda de alguém, só podia ser, continuo a não me lembrar de quem, lá conseguimos subir até ao convés com as duas "zebras" mal cheirosas às costas. E, sem solução, nem sequer me interessei por ver os seus estados de saúde.
Despedi-me delas e, com um funeral digno, foram atiradas ao oceano!

Como qualquer história (esta sendo verídica)  também tem uma moral: "Os inteligentes são algo estúpidos!






1 comentário:

  1. Olá amigo Castro! Seja bem vindo!Com esta veia jornalística toda, tens que vir mais vezes a este espaço.Ele precisa de ti!Os teus artigos são sempre bem vindos com o sentido de humor com que os apimentas.
    Um grande abraço. SANTA.

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