Por: F . Santa
Já lá vão tantos anos! Tudo se passou
depressa de mais. Depois de um 10 de Junho escaldante (com um sol abrasador)
em pleno Terreiro do Paço numa cerimónia fascizante, apontava-se agora
para o dia da partida. Se a minha memória não me atraiçoa, foi na
manhã do dia 23 de Julho de 1968, que a CCav2415 partiu de Cavalaria 7 em
direcção ao Cais de Alcântara, já o sol tinha nascido. Faz hoje 44 anos!!
Chegados ao cais , estava ali, bem diante
dos nossos olhos, aquela massa de ferro flutuante que nos iria levar
até terras de Moçambique, a um destino desconhecido. Era o paquete
Vera Cruz. Consigo iria levar jovens no auge das suas vidas, os quais, mal
preparados, estavam ali para partir para uma guerra que, já de si injusta,
desconheciam. Para uma lotação de 1240 pessoas, com os seus porões
alterados para o efeito, levava cerca de 3000!! Lá no fundo (porões), iria
ser instalada, em condições horríveis, parte daquela massa humana
que no cais se preparava para embarcar. Em beliches sobrepostos, no meio
de um cheiro pestilento como se fossem animais, lá iam felizes e contentes
destinados a carne para canhão! Eram os chamados Soldados!! Os camarotes
eram para gente grande, as cabines para as divisas mais baixas.
Chegados
ao cais, eram as formalidades para a formatura que nos dava o direito
de embarque. A nossa bagagem já tinha vindo à frente. Por detrás
de nós, nas varandas da gare, eram os nossos pais, os irmãos e irmãs,
os parentes mais chegados, as nossas namoradas, noivas e amigos e nalguns
casos as mulheres e filhos, que estavam ali com a certeza de nos ver
partir mas com a incerteza de nos ver voltar. Havia também os
que saindo de casa sozinhos (o meu caso), estavam ali para partir,
mas sem ninguém para dizer adeus, tendo deixado em casa a família
angustiada com as mesmas incertezas das que estavam no cais. A
2415 estava ali para deixar tudo e todos e partir para um destino que
nos era imposto. Para nós, estava bem patente que iríamos partir
para uma aventura cuja viagem de ida e volta nos era oferecida a todos
gratuitamente por Salazar, mas na volta nem todos tiveram o mesmo direito,
muitos tiveram que a pagar com o sangue do seu corpo ou com a própria
vida.
Recordo aquela hora em que em que as águas calmas
do Tejo (era a única coisa calma na altura...) olhando para nós com ternura,
participaram na nossa despedida. O relógio do cais assinalava o meio-dia. Com
pompa e circunstância a banda tocava o Hino Nacional. O Vera Cruz,
deixando sair das suas entranhas aquele fumo negro através da chaminé,
apitava três vezes começando lentamente afastar-se do cais.
Todos empoleirados no barco em tudo o que era sítio, dizíamos adeus com as boinas aos que ficavam. No cais, eram
os lenços brancos que ora acenavam ora limpavam as lágrimas dos que ficavam à espera do nosso regresso. As gaivotas com a sua brancura, voando
sobre o Vera Cruz, pareciam também participar na despedida. Era a partida. Éramos todos meninos. Era-nos ali roubada a nossa juventude.
Lisboa ficava para trás. Agora, por águas por
muitos já navegadas, iríamos transportar a nossa saudade e a saudade daqueles
que ficaram. Já mar alto, eram os enjoos que atormentavam alguns. Não
foi fácil para eles.
O nosso destino era Nacala, Moçambique! Aportámos
já era Agosto. De Nacala, iniciámos a nossa odisseia no célebre comboio
do Catur, e daqui para Lione (chegamos no dia 15 ) onde
iríamos entrar no cenário de guerra. O resto já se sabe! Já lá
vão 44 anos! Que a nossa memória não se apague. Cada um de nós,
(os que já partiram e os que estão vivos) é uma folha de um livro
que conta a história da guerra. Ele vai ficar numa estante ou num baú
e um dia já amarelado pelo tempo vai ser lido pelas futuras gerações.
Já voltei ao cais de Alcântara. Desta vez não era o Vera Cruz que estava ali diante dos meus olhos e nem eu estava com o camuflado vestido! Mas sim um paquete de luxo em cruzeiro e eu, um cidadão à civil! Atrás de mim, não havia lenços brancos. Vi novamente o filme todo, mas recordar é viver! É pena que o Vera Cruz já não esteja entre nós pois quer queiramos ou não é - era- um ícone da nossa história! Salvo erro, foi num Sábado, 4 de Março de 1973 que o Vera Cruz fez a sua última viagem. Viagem essa que culminou com o seu desmantelamento, se não me engano, lá para os lados da República da China! Aquele que nos tinha transportado para terras de África iria também ter o seu fim depois de ter agonizado algum tempo no mar da palha!
Que o nosso blog continue a ser o pombo-correio de todos em geral pois a todos está aberto. Comentem. Enviem textos e fotos para que ele não se extinga. Que sirva para manter a chama acesa, a chama da nossa amizade, da camaradagem e da família que fomos e somos. Um dia partimos. Durante longos meses em terras distantes e em cenário de guerra, partilhámos as nossas vidas e as saudades. Os anos passaram, (44) mas no meio desta cronologia, não podemos esquecer a malta da 2415 que a guerra obrigou a partir para a eternidade e ainda, aqueles que ainda hoje têm a sua marca no corpo e a saúde afectada. Não podemos esquecer também, aqueles que regressaram aparentemente bem e que ao longo destes anos foram partindo. Eles estarão sempre na nossa memória. E ainda todos os camaradas em geral, que a mesma guerra obrigou a compartilhar a mesma situação.
Já voltei ao cais de Alcântara. Desta vez não era o Vera Cruz que estava ali diante dos meus olhos e nem eu estava com o camuflado vestido! Mas sim um paquete de luxo em cruzeiro e eu, um cidadão à civil! Atrás de mim, não havia lenços brancos. Vi novamente o filme todo, mas recordar é viver! É pena que o Vera Cruz já não esteja entre nós pois quer queiramos ou não é - era- um ícone da nossa história! Salvo erro, foi num Sábado, 4 de Março de 1973 que o Vera Cruz fez a sua última viagem. Viagem essa que culminou com o seu desmantelamento, se não me engano, lá para os lados da República da China! Aquele que nos tinha transportado para terras de África iria também ter o seu fim depois de ter agonizado algum tempo no mar da palha!
Que o nosso blog continue a ser o pombo-correio de todos em geral pois a todos está aberto. Comentem. Enviem textos e fotos para que ele não se extinga. Que sirva para manter a chama acesa, a chama da nossa amizade, da camaradagem e da família que fomos e somos. Um dia partimos. Durante longos meses em terras distantes e em cenário de guerra, partilhámos as nossas vidas e as saudades. Os anos passaram, (44) mas no meio desta cronologia, não podemos esquecer a malta da 2415 que a guerra obrigou a partir para a eternidade e ainda, aqueles que ainda hoje têm a sua marca no corpo e a saúde afectada. Não podemos esquecer também, aqueles que regressaram aparentemente bem e que ao longo destes anos foram partindo. Eles estarão sempre na nossa memória. E ainda todos os camaradas em geral, que a mesma guerra obrigou a compartilhar a mesma situação.
Esta foto foi tirada por um camarada nosso. Não é
do nosso embarque mas podia ter sido. Haverá alguém que tenha uma
foto do nosso embarque? Vão ao vosso baú de recordações! Pode ser
que por lá ande alguma perdida...
Santa
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Não teremos fotos, mas temos filme! É altura de recordar a reportagem da nossa "largada" (já aqui exibida), do nosso M. Magalhães (Obrigado,Manel!)
Mais um excelente texto do amigo Santa como, aliás, é seu apanágio. Está tudo tão bem arrumado nos seus lugares que até impressiona e ainda dói!
ResponderEliminarObg. e um abraço especial, A.Castro.