Alguém conhece este "entrapado" ??
Todos nós temos os nossos heróis, isso acontece logo em crianças com os rambos, os "Ches" e muitos outros. Normalmente há até os que entendem o próprio pai como seu herói principal.
Eu tenho alguns, já tive os que atras menciono e hoje tenho mais um, o meu amigo, melhor o meu Grande Amigo Moreira, ex-1ºcabo radiotelegrafista da 2415.
A nossa amizade iniciou-se quando alguém, megalómano, se lembrou de juntar uma centena de rapazes ingénuos na parada de C7 na Ajuda e nos obrigou a entrar no porão do barco mais à mão na Rocha Conde de Óbidos e rumar a Moçambique.
Foi uma amizade fácil, crescendo dia a dia, pois logo sentimos que iriamos precisar um do outro, tanto nos bons como nos maus momentos. Eramos o que se pode dizer em Transmissões "uma grande equipa de dois", de modo algum querendo menosprezar os restantes elementos que muito estimo.
Impôs-se naturalmente desde o 1º dia na Ajuda, durante a viagem, passando por Lione, Luatize até ao fatidico momento do rebentamento duma mina no "unimog" onde ele seguia.
Nessa altura estavamos sediados em Tenente Valadim recém-chegados de Luatize (acho eu), à espera de fazer rumo para outras paragens.
Num desses dias, mais precisamente a 30.10.69, o nosso amigo Meira mandou preparar um pelotão para fazer uma picagem até Luatize onde iriam entregar mantimentos ao pessoal lá aquartelado. E, como nada destas coisas têm explicação, lembrou-se de levar como radiotelegrafista o Moreira, coisa rara de acontecer, uma vez que era chefe de equipa e normalmente nunca saiam para o mato (se eu estivesse no lugar do Meira se calhar também queria comigo os melhores!).
E a desgraça aconteceu, o Peniche e o Corado (aqui habitualmente homenageados) nos deixaram para sempre, bem como um enfermeiro do CCS do Batalhão, havendo alguns feridos graves, entre eles o Moreira que diz lembrar-se de ter sido "cuspido" até ao alto das árvores e depois cair e ficar preso debaixo do "unimog", enquanto o radiador lhe despejava em cima toda a água fervente, sem se poder libertar, deixando-o com queimaduras terriveis de ultimo grau, desde o peito até às pernas.
O resto todos sabemos como era: Despachado para o Hospital de Nampula que o recambiou de imediato para o de Lourenço Marques onde o prepararam e alindaram para o 1º Boeing o levar até à Estrela.
Esteve lá durante muitos meses, onde lhe chegaram a prever a morte.
Lembro-me de ter lá mandado os meus pais e irmã visitá-lo, porque ele sendo do Porto não tinha ninguém à mão para uma eventual ajuda. Assim o fizeram, mas logo recebi noticias pedindo que os desobrigasse daquela missão, pois era muito penoso e dificil olhar e falar com o Moreira com os seus 39 kg de peso. (Actualmente quando falamos nisso, ri-se tranquilamente, como se nada tivesse acontecido. Julgo que é preciso ser-se grande de espirito para assim entender).
Acontece até que com todas aquelas mazelas que lhe marcam o corpo, se necessário, "despudoradamente", exibe-as como um "troféu" de guerra! É o cumulo da ironia!
Desde há 1 ano, por nos tornarmos vizinhos, encontramo-nos mais assiduamente. Garanto-vos que tem sido um enorme privilégio conviver com ele, tem-me ensinado a ver e a entender certas coisas da vida por outros prismas que até agora não me ocorriam. Acima de tudo porque tem um sentido humanista inigualável, raro hoje em dia, depois porque cultiva a solidariedade duma forma simples sem cobranças.
Felizmente que voltei a reencontrar o Moreira, assim se provando que aquela guerra estupida também deu os seus bons frutos.
Obrigado Padrinho!!
Após vários dias de "jejum", sem vir ao nosso BLOG, encontro este magnífico POST do amigo Castro! Que magnífica crónica! Bem merece o Moreira esta homenagem, à qual me associo "de alma e coração"!
ResponderEliminarA foto junto ao "monumento" deve estar a fazer 41 anos. Já estava pintada a inscrição LIONE E CHALA, mas ainda faltavam os versos de Camões, "Em perigos e guerras esforçados / mais do que permitia a força humana". (Houve quem desaconselhasse a colocação desta citação, vendo nela uma crítica subliminar ao comando do Batalhão do Catur... )
Já agora, perdoem-me a imodéstia de assumir a autoria do projecto... mas quem o concretizou, no cimento, (e com que perfeição!!! ) foram o Moreira e o Castro !