23 setembro 2010
“ HOSPITAL DE L. MARQUES 1969”
Fui encontrar no baú das recordações, que guardo religiosamente num cantinho da minha casa, e deparei-me com algumas fotos que julgava já não existirem, fotos essas de quando estive no hospital de Lourenço Marques.
Na foto de cima, pareço bem instalado (a cama não era má) mas o resto é que era o pior, a minha perna esquerda só gostava de estar na horizontal, não lhe apetecia fazer mais qualquer espécie de movimento.
Em baixo, aparecem comigo colegas da mesma enfermaria. Já não me recordo o que eles tinham excepto o de bigode que está à esquerda, que estava completamente apanhado! Ainda me lembro que ele subia para cima de uma árvore que existia no átrio do hospital e fartava-se de gritar pela mãezinha! Mas será que só era ele? Mas acreditem, se não fosse as nossas brincadeiras o que seria de nós naquele ambiente onde tudo existia... Ao percorrer as salas do hospital via-se de tudo. Camaradas sem pernas, sem braços, cegos, queimados e outros completamente apanhados etc. etc. No meio daquilo tudo eram as senhoras da Cruz Vermelha (uma delas a quem tratava-mos por Avozinha) que nos valiam nas horas mais difíceis, não só elas mas como jovens meninas que nos visitavam e traziam comida de fora, comida essa que arranjavam nos casamentos e outras festas.
Hoje, escrevo estas linhas com saudades daqueles com quem partilhei cerca de seis meses aqueles quartos, cada um deles eram puros retratos da guerra. Deixava aqui um apelo. Se alguém que contacta este nosso cantinho saiba ou conheça quem esteve entre Junho e Novembro de 69 no hospital de L. Marques ou se revejam nestas fotos (eu sei que o colega da esquerda é de Tomar e se não me engano era o Dias), gostava que contactassem comigo através do nosso site pois parti para Lisboa e lá ficaram, tendo-os perdido no tempo até hoje.
Um abraço para todos do Ex. Furr. Santa
.
Etiquetas:
Testemunhos
07 setembro 2010
“ EMBOSCADA “
Emboscada, é mais um título de uma poesia do nosso camarada capitão Calvinho, Deficiente das Forças Armadas que também pagou com o seu corpo o tributo que nos foi imposto por uma guerra injusta.
Camaradas. Ainda hoje, todos nós continuamos a sofrer emboscadas devidamente preparadas por aqueles que tinham obrigação de olhar por todos nós, deficientes e não deficientes. Hoje vim a saber que a L. dos Combatentes vai a caminho de Moçambique (salvo erro) fazer um levantamento e tentar encontrar 700 camaradas nossos que ficaram por lá enterrados ao abandono e que o Estado Português tinha a obrigação de os trazer, simplesmente esqueceram-nos. Bem hajam aqueles que não se esqueceram deles e que vão tentar trazê-los para que as famílias lhes possam dar um sítio digno para que descansem em Paz.
Aqui vai então o poema:
Corpos que se arrastam
e se consomem
na suja lama das picadas
e nos estilhaços das granadas
que explodem.
-- Os rebentamentos
são o compasso
tétrico
da sinfonia “Morte” !
--O fogo intenso
cruzado
é o ritmo macabro
no patético bailado.
--Um homem tomba
Ei-lo que jaz
inerte, morto,
vencido!
--Outro homem grita
vendo cair a seu lado
um companheiro soldado:
“Ah grandes filhos da puta”!
“ Mataram o meu amigo”!
( E um rosto de sangue manchado)
“ Cambada de terroristas”!
“ Hei-de matar-vos a todos”!
( E um cheiro a sangue queimado)
-- E as lágrimas amargas de raiva
rasgam sulcos vermelhos
num sujo rosto de pólvora!
E uma guerra que se declara:
Não por um povo oprimido
nem por uma Nação ofendida!
Mas por um homem ferido
num labirinto perdido
entre uma morte e uma vida!
….
---Transforma-se o oprimido
em instrumento opressor.
Nasce num peito uma guerra!
E, lá longe….
Na sua terra
o abutre, o carrasco,
o nazi,
a peste,
enchendo o ventre de carne
escreve:
“DITOSA PÁTRIA QUE TAIS FILHOS DESTES”!
E agora gostava que o filho do nosso camarada Adriano Matias (o Coruche) já falecido, enviasse para o nosso “Site” ou para o Soares, a sua direcção para poder-mos inseri-lo na nossa lista para poder-mos entrar em contacto com ele e poder-mos enviar o convite para o próximo convívio conforme desejo seu.
Para todos um grande abraço do Ex. Furriel Santa
Etiquetas:
Leituras
03 setembro 2010
RECORDAÇÕES E SAUDADE
Por: F.Santa
Ao ver as imagens fotográficas que enviaste para o nosso cantinho da saudade, principalmente de Vila Cabral, Lione e Chala, não pude deixar de verter algumas lágrimas (porque o homem também chora) e um certo arrepio motivado pelos momentos que foram lá passados. Senti saudade não pelo facto de ter estado lá pelo motivo da guerra, mas sim saudade das coisas e locais, dos bons e maus momentos que todos passámos naquela terra.
Ao ver a picada para Chala, fez-me reviver os quilómetros que nela percorri e todas as peripécias nela passadas, e como não poderia esquecer foi onde tive a minha última viagem de má memória como sabem. Sobre o Lione, fiquei triste por toda aquela desolação. O nosso emblema e o edifício de oficiais e sargentos terem desaparecido. Acredito que deves ter sentido algo muito estranho e ao mesmo tempo desapontado com o que te foi dado ver em Lione, eu próprio julgava ver mais da nossa presença.
Quanto ao campo de futebol, lembro-me perfeitamente. Sobre as morteiradas mandadas dos montes que se vêm não sei bem se foram de lá ou do lado de Chala, talvez alguém com melhor memória se lembre. Falando do emblema da nossa companhia, da maneira como parece ter sido arrancado estará com certeza a fazer decoração em qualquer lado como “troféu”.
Pois é Artur. O tempo passa mas a memória ainda que ténue, retém todas as vivências passadas por aí, e se as pilhas não falharem, elas irão connosco até ao fim das nossas vidas, e quem sabe se os nossos filhos e os nossos netos não continuarão pela vida fora, aqui e ali, falando e mostrando as nossas fotos que ficarem nos baús das nossas recordações e alimentando-as através da Electrónica ou seja: dos computadores.
Obrigado amigo Artur pelo “ Filme “ que nos ofereceste. Fizeste um excelente trabalho. Já agora, porque não, quando regressares a Portugal, combinar-mos um encontro em qualquer lado, eu o Soares, o Paulo e mais alguém que queira, para trocar-mos impressões sobre a tua viagem pelos caminhos da nossa companhia? Que dizes? Acho que era boa ideia. Pensa nisso.
Recebe um grande abraço deste teu amigo e camarada e também para todos aqueles que fizeram parte dos “ AUDACIOSOS “ – FORTUNA AUDACES JUVAT.
Etiquetas:
Chala,
LIONE,
Testemunhos,
Vila Cabral
01 setembro 2010
EM MISSÃO DE SAUDADE....... tristeza não tem fim! O "nosso" Lione já não existe!
Finalmente ........... Chala e Lione
Após uma visita agradável a Vila Cabral (Lichinga) eis-me, de regresso, a caminho de Lione mas, com desvio obrigatório por Chala, já que ficava em caminho.
O curioso, na verdade, é que devo ser um dos poucos militares que nunca estiveram em Chala. Realmente, pode-se perguntar: Mas que raio lá ia fazer um cripto? Agora, aproveitei a oportunidade não só para conhecer mas também para vos poder informar o que vi.
Apesar de não ter conhecido, julgo que hoje Chala é outra coisa muito diferente. Sabia, pela malta de então, que era um local isolado, pacato, de pouco perigo e que estava em cima da fronteira com o Malawi.
Pois, agora, tudo se alterou, as populações que se refugiaram no país ao lado, durante a guerra Frelimo-Renamo, regressaram a Moçambique e, logo, se instalaram no Chala por ser a localidade mais próxima. Houve, a partir daqui, apesar de muito artesanal no âmbito da agricultura e, se acrescentarmos a isso, a localização da chamada segunda ou terceira fronteira entre aqueles dois países, algum desenvolvimento, principalmente grande aumento das populações.
Desse modo, aqui deixo as impressões sobre o que vi, não esquecendo a linda paisagem que disfrutei no trajecto a partir do desvio para Chala, bem como as dificuldades da picada, imaginando os enormes problemas por lá passados na época!
Desvio de Chala na picada de V.Cabral(Lichinga) para Lione
Aqui o inicio da picada para Chala, pomposamente chamada ER-Estrada Rodoviária 571!
Algué sabia que do cruzamento até à localidade são 42 Km?
Bela paisagem africana, floresta densa, zona de elefantes. A caminho de Chala, ao longe o Malawi
Outra bela imagem na picada para Chala
Entrada em Chala. Repare-se na iluminação da via pública. Acontece que o gerador não funciona por falta de combustível! Ao abrigo da amizade entre os dois povos, o Chefe da localidade ainda me pediu "auxilio" para a compra de gasóleo. Julgo que a preocupação dele seria outra que não iluminar a via pública!
Chala até passou a ter uma escola primária (pelo menos está anunciada devidamente)
Informação que me foi prestada pelo próprio Chefe Local, esta casa, no tempo colonial, era o Posto Fronteiriço (alguém se lembra?). Agora, além da sua residência, engloba também um serviço de assuntos fronteiriços.
E aqui temos uma fronteira à "maneira". Do outro lado da cancela é o Malawi, ficando o lago Niassa a escassos 6 km. Por falta de tempo não nos foi possivel ir até lá ver a sua beleza imensa. Por aqui também saem e entram muitas das mercadorias entre os dois países.
Este tipo de construção em chapa, a unica que encontrei em todos os locais que visitei foram, no nosso tempo, casernas que albergaram muitos militares, como a nós quando estivemos em V.Cabral na zona do aeroporto. Para mim, apesar de não conhecer, esta casa vem do tempo colonial, só achando estranho não ter sido desviada ou destruída nestes longos anos e ainda hoje se manter dignamente de pé!
Vê-se bem que por trás existe ainda uma enorme mangueira que, segundo um dos representantes da população também presente, existia no tempo da "tropa portuguesa".
Segundo informação do Representante da População, digno "madala"(idoso), muçulmano, que conheceu a tropa portuguesa disse que, debaixo deste enorme embondeiro(?), ficava a cozinha. Bem procurei pos vestigios, só encontrando uma ou outra fundação das paredes.
Despedida de Chala com a foto da "praxe" junto das várias Autoridades locais: Polícia, representantes da população e Chefe da localidade (abaixado), só faltando o militar responsável pelo posto fronteiriço (leia-se cancela) por não poder abandonar o local de vigilância!
Terminada a visita a Chala, pusemo-nos ao caminho. Lione esperava-me para um reencontro após 41 anos.
Antes de mais quero dizer que ao aproximarmo-nos de Lione sentia-me algo nervoso e intranquilo, como se da primeira vez se tratasse, o que é um pouco injustificável. Normal dirão uns, "pieguice" dirão outros! Já me interroguei a mim mesmo e não sei explicar tal atitude. Quem sabe, alguém com experiência semelhante, nos venha a explicar uma razão plausivel.
E, finalmente, aparece Lione, uma imagem ainda bem guardada e definida na minha memória.
Por estar tão bem definida é que sou obrigado a dizer que o "nosso" Lione já não existe! Óbviamente, refiro-me às instalações do nosso aquartelamento pois, simplesmente, desapareceram como por artes mágicas!
Nada mais resta a não ser as ruinas do edificio da caserna e, ainda, a base do monumento, tudo o mais desapareceu. Mas o mais espantoso é não ter ficado sequer uma fundação, uma parede ou uma simples pedra de alguma coisa. Nem um vestigio existe mais. É doloroso querermos olhar para coisas conhecidas e não as vermos mais quando pensávamos ir reencontrá-las.
Ainda, hoje, não consigo entender como desapareceram completamente o edificio principal dos oficiais e sargentos, os centros cripto e de transmissões, o armazem do vago-mestre, o forno, a casa do armamento (do Baptista), a cantina (do Azinha), a cozinha e a oficina-auto, uma vez que eram edificios, principalmente o dos oficiais e sargentos, feitos em tijolo e cimento!
A todos aqueles que indaguei sobre o assunto nada souberam explicar.
Todamaneira, em troca de impressões com o meu companheiro de viagem J.Gonçalves, chegámos à conclusão que, tirando o edificio principal e mais um ou outro, por serem de maior resistência, todos os outros de construção frágil feitos em tijolos de barro (matope), foram deitados abaixo pela população a fim de os aproveitarem para fazerem as suas novas palhotas no aldeamento.
Certo ou errado, o que me continua a espantar foi a realidade chocante que (não) encontrei no local. Só visto para acreditar.
Entrada em Lione vindo de V.Cabral (Lichinga)
Um pouco antes, à saída de Lione para V.Cabral, em vez da picada há uma pequena estrada alcatroada. Parece estranho mas é verdade!

Foto Mai/68 - Para confirmar e comparar aqui vemos a mesma "estrada" com a mesma curva ao fundo e tudo.
Ao fundo o aldeamento de Lione com algumas casas em tijolo e cimento. Á direita vislumbram-se as ruínas da caserna.
Veja-se a qualidade da picada!
Aldeamento + estádio de futebol. Vê-se bem a baliza daquele lado e a qualidade do "relvado" melhorou, está mais plano. Podemos perguntar qual o motivo porque este espaço não foi destruído. Para mim só há uma unica resposta: o futebol é universal e talvez seja um dos poucos elos que une os dois países!
O campo de futebol com a baliza do lado contrário. Aqui o terreno parece em más condições a fazer lembrar o do nosso tempo! Veja-se, também, a proliferação de palhotas a toda a volta do campo.
Mas, esta foto tem a finalidade de mostrar ao longe os dois montes juntos. Num dos ultimos almoços em que participei houve alguém que disse que certa vez, durante um jogo de futebol, fomos atacados com umas morteiradas a partir daqueles montes. Tenho uma vaga ideia do acontecido. Haverá alguém que saiba explicar melhor?
Foto Dez/68 - E aqui se prova à evidência que os mesmos montes já lá estavam bem definidos há 42 anos!
![]() |
(Foto do arq. do Vivaldo) - Bancada central do campo de futebol, na época, com assistência selecta! |
Etiquetas:
Chala,
LIONE,
Testemunhos
Subscrever:
Mensagens (Atom)