28 julho 2019

E LÁ FOMOS NÓS...

E lá fomos nós há cinquenta e um anos! Nesta altura íamos algures no Oceano Atlântico, pois só iríamos entrar no Oceano Indico em Agosto. Moçambique estava estava quase ali ao virar o Cabo da Boa Esperança.
Deveria ser um acontecimento para esquecer mas assim não tem sido, ao mesmo tempo é bom não esquecer pelas marcas que deixou e sobretudo para lembrar e honrar os que morreram e aqueles que ficaram deficientes. E não esquecer porquê? Muito simples.Se tem havido esquecimento da nossa parte o que teria sido daqueles que dela saíram deficientes e não só? Sim, porque foi à custa do nosso não esquecimento que o Estado Português teve que se lembrar de nós para não acontecer o mesmo que aos nossos soldados da grande guerra! E não julguem que foi fácil. Foi á custa de muitas lutas após o 25 de Abril de 1974 que o Estado começou a olhar para nós de outra maneira. A muito custo passámos a ser a primeira das prioridades mas ao longo do tempo as dificuldades continuam. Se tínhamos sido vítimas de um Estado Novo fascista, porquê não reparar tal situação em que fomos metidos? Fomos muito tempo (e ainda hoje por alguns) considerados os  maluquinhos da Guerra.
Estamos agora entrar num ciclo de vida que é a nossa avançada idade, pois para quem é deficiente as suas deficiências agravam-se cada vez mais. E o stresse pós-traumático ainda pior. Não fomos para nenhum cruzeiro nem para passear noutro país, fomos para uma guerra que deixou marcas em cada um de nós.
Muita gente não faz ideia do que era andar pelo mato e picadas e as surpresas que nos esperavam. Muita vezes com a sede a fazer parte da nossa tormenta e em alguns casos a fome misturada com a fadiga e o próprio calor. Muitos camaradas passaram por situações dramáticas. Vou aqui contar só duas de dois colegas meus para para fazer uma ideia. O nosso Capitão Calvinho esteve em Moçambique. Andou por muitos lados onde andou também a 2415, um deles Massangulo. Ao fim de cinco meses, uma mina de fósforo matou-lhe o comandante e deixou-o a ele com queimaduras profundas em todo o corpo que o obrigaram a fazer 25 transplantes de pele e ainda sem andar durante quatro anos, hoje já com sessenta e tal anos ficou sem uma perna derivado á célebre mina.
Outro caso, o do meu amigo Maia. Foi para a Guiné em 1972. Tendo ido fazer um golpe de mão, foi atingido com um tiro na cabeça. A bala apanhou-o de frente percorreu o crânio e foi alojar-se no cerebelo. Ficou em coma. Foi levado para a morgue onde lhe puseram uma etiqueta numa das pernas. Passaram dois dias quando viram que ele  tinha sinais vitais. Foi então que o embarcaram para Lisboa num avião comercial acompanhado de caixões. Foi operado e ficou sem ver de uma vista e também paralisado do lado esquerdo do corpo. Acordou meses depois e ainda foi operado mais quatro vezes. Depois de todo este tempo, nos dias de hoje, ainda continua a sofrer. Isto são dois casos entre milhares e alguns ainda mais graves. Portanto, a guerr colonial foi uma guerra que de uma maneira ou de outra nos marcou a todos para sempre. Podemos continuar a ser os maluquinhos da guerra mas, fazemos votos para que de futuro não haja mais maluqinhos como nós.
Hoje, 2415 continua a lembrar o seu embarque no dia 23 de Julho de1968. Nesta altura a próxima-se o dia em que pisamos o chão de Moçambique pela primeira vez.
E é assim meus amigos. Mais um episódio da guerra!
Um abraço para todos e uma boa semana que se aproxima.
                                           SANTA

1 comentário:

  1. Mais um excelente texto, amigo Santa. As verdades que contas são chocantes, nunca será demais denunciá-las.

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