10 fevereiro 2012

O ANJO BRANCO



Ao ler um livro e que o assunto seja a guerra colonial ou qualquer outro sobre Moçambique e a sua leitura me agrade é meu hábito aproveitar este blog para divulgar e recomendar a obra e seu autor.
Mais uma vez o vou fazer pois esta é bem merecedora. A qualidade do romance é excelente principalmente a trama, que julgo ser baseada em factos reais da familia do autor, o conhecido homem da RTP José Rodrigues dos Santos. E depois porque o Moçambique do nosso tempo, de Lourenço Marques a Tete, está lá quase todo metido nas suas cerca de 700 páginas. Aliás, penso que o autor nasceu e viveu ainda alguns anos por aquelas paragens, daí o conhecimento e sensibilidade necessários para tão grande tarefa.
Tenho certeza que é um romance que agrada a todos que o lêem, apesar de ser melhor entendido por aqueles que lá residiram e que foram obrigados a regressar à metrópole logo após a independência mas, também, pelos ex-militares que por lá penaram.
O "Anjo Branco" é uma obra recomendável + e ao escritor a minha enorme admiração e agradecimento por me ter proporcionado algumas horas de saudável nostalgia.
Numa passagem do livro (ver páginas acima) descreve o autor que a população que vivia nos aldeamentos no "mato" acreditava mais na eficácia do tratamento médico quando lhes eram aplicadas injeções em detrimento dos comprimidos ou pomadas, chegando até a recusar estes.
Esta parte do livro que me fez sorrir  imaginando bem as peripécias e os transtornos passados pelo personagem (Dr. José Branco) e que o autor tão bem descreve, recordam-me situações que também por lá vivi e que têm a ver com remédios.
Bem nos lembramos que nas rações de combate que eram distribuidas, a mim não me calhava essa "sorte" assim tantas vezes, por motivos óbvios, a não ser nas deslocações que a  Companhia tinha de fazer, entre as muitas iguarias lá vinham uns comprimidos que diziam servir  para hidratação e também, se não estou em erro, para tratamento da água.
Ora, como o pessoal se "marimbava"  para estas zelosas questões sanitárias, normalmente tais comprimidos eram pouco usados e, daí, ter "maning" deles.
Eis, senão quando, um dia o meu "mainato" pediu-me alguns para debelar fortes dores de "morrinhanha" (cabeça). Incrédulo respondi-lhe que aqueles comprimidos não serviam para tirar dores de espécie alguma explicando-lhe qual a sua função.
Ainda me lembro da reação do rapaz: "Serve sim, patrão. Vai fazer bem à morrinhanha.  Outra gente ficar bem com isso".
Bom, nada mais havia a fazer a não ser fornecer-lhe uma carteira daquele produto milagroso.  Até porque já trabalhava para mim desde que chegámos a Lione e o seu trabalho de lavador/engomador satisfazia plenamente, mesmo com pouco sabão. Além de que não era muito exigente em termos salariais, auferia 20 Escudos/mês, que eu fazia questão de pagar impreterivelmente. Em contrapartida, uma boa parte dos nossos ex-combatentes não pode dizer o mesmo. Daí, imaginar terem ficado muitos "calotes" pendurados por aquelas paragens! O pré era pouco  e mal dava para ajudar no alívio da sede. Por isso, entre a obrigatoriedade de pagar ao Azinha ou aos mainatos, julgo que ninguém tinha dúvidas na escolha!
Entretanto, o meu assalariado continuava a sofrer cada vez mais com as dores de "morrinhanha", mas logo se transformava em largos sorrisos quando me via surgir com o remédio que tanto apreciava.  Aí, eu achei que havia marosca e, depois de o apertar, vim a saber que o fulano comercializava na aldeia os ditos comprimidos.
Foi, então, que me lembrei de entrar no negócio e propus-lhe que tinha de os pagar  a partir daquele momento.  Logo respondeu:  "Não pode ser, patrão,  não ter quinhentas".
Então ocorreu-me que o pagamento poderia ser feito em géneros. Seria pegar ou largar e foi remédio santo, o novo sócio/intermediário passou a cumprir na perfeição. Já não me lembro bem da cotação dos produtos trocados mas, os mais transacionados, eram bananas e ovos.  Chegou a haver uma ou outra vez galináceos e até um quadril de javali.
Aqui fica registado mais um pequeno e bem vivido episódio dos muitos milhares que ainda estão por contar e que continuam vivos nas memórias de todos nós. Assim o queiramos, acreditem que nos sentimos melhores.
Os dois apontamentos referidos, o do Anjo Branco e aquele descrito por mim são muito diferentes mas, no âmbito das psicologias, não há qualquer dúvida de que o melhor remédio chama-se "convicção".   



1 comentário:

  1. Caro Amigo, Muito obrigado pelo seu amavel email.
    Ainda bem que gostou do romance e que este o surpreendeu.
    Um abraço a todos,
    José Rodrigues dos Santos

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